MUITAS MINAS, UM ROSA ÚNICO – Olavo Romano

Na fervura do realismo mágico, passei por Gabo, Cortázar, Llosa, Castañeda, e, na garupa de Garabombo, o Invisível, varei o Chapadão do Bugre e dei de cara no Grande Sertão. Quebrei a cara. Empacado, esbarrei. Tomando sopa quente pelas beiras, bordejei Sagarana. Nhô
Augusto, dito Matraga, recolhido-recluso, pensou feridas do corpo, sentiu dores da alma. Temendo as labaredas do Inferno, pensou no Céu, tencionou, forte, largar mão de valentias. Mas o dedo coça desejo de treinar mira, cortar, na bala, talo de mamão. Num repente, joga longe o rifle. “Vou pro céu, nem que seja a porrete!” – agarante.

Olavo Romano
Escritor. Presidente Emérito da Academia Mineira de Letras.
(eventualmente), Procurador do Estado, aposentado.

Topei Sete-de-Ouros, em pessoa de burro: “pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão”. Matutei: Passa-Tempo é menos de quatro léguas de São João Batista, lugarzinho formoso onde mora meu imbigo. Esse burro, tão vizinho, chega a ser gente de casa, a bem dizer, um parente, quase. Por parte de Deus, pelo menos.

Na beira do Pará, onde deixaram abandonado um povoado inteiro, Primo Argemiro e Primo Ribeiro tremem de sezão. No oco do desacorçoo, repassaram a vida tocaiando a morte, à beira de fundos precipícios.

Turíbio Todo, seleiro papudo, tido como vagabundo, vingativo e mau, campeia Cassiano Gomes, ex-anspeçada da Força Pública, riscando a cavalo o chão de Minas. Da beira do Borrachudo a Piedade do Bagre, fazendo compra em Sant’Ana-do-São-João-Acima, o comércio mais forte dali por perto. Tencionando alcançar Guaicuí, vadeia o das Velhas num “lugar bonito – com frangos-d’água chocando ovos no fundo dos quintais, com uma lagoa no fundo do arraial…, chamado Jequitibá”.

Corpo de Baile formou base para o salto, a escalada da maciça montanha. Grande Sertão requer ouvido fino, agudo tino, gosto por surpresas, alma aberta a maravilhas. Bom de ler alto, cadência, entonação seguindo a música embrulhada nas palavras – bemóis, sustenidos, brilhos e estribilhos. Então, é só o navegar – por corredeiras, remansos, cachoeiras.

O lançamento da minissérie, no Palácio das Artes, foi ao lado de Manuelzão, garrafinha de pinga na algibeira. Em Paracatu do Príncipe, Mano Velho regeu sarau de prosa, Nelson Pereira dos Santos contou peripécias d’ A Terceira Margem do Rio. No dia de São Francisco, FHC, governador Azeredo, ministros e comitiva, Manuelzão garantiu que quatro anos não dão pra pagar promessa de campanha. Deu em jornal, em revista, garantem ter sido a chispa da
reeleição.

João Rosa pediu a Chico Moreira, seu primo e patrão de Manuelzão, hospedagem na Sirga e reunião de contadores de causo, rabequistas, dançadores de lundu, toda raça de papeateiro das barrancas do rio. “Ele tinha morado na Europa, veio da Segunda Guerra, queria terminar a Sagarana. Com o ele colheu, deu pra acabar a Sagarana e fazer o Grande Sertão e Veredas”, garantiu o vaqueiro-mestre. Afobado no ajuntamento da boiada que, logo depois da festa na
capelinha, iam tocar até Araçaí, colou Zito no ilustre hóspede. Rapazinho esperto e inteligente, deu de presente , num caderno Avante, nomes e mais nomes de vaca ao escritor.
Sondando terreno, especulou: “Então o senhor tenciona, mesmo fazer a viagem…”.Resposta afirmativa, alertou: “Ah! Aquilo é um navio de problema!”.

Os aboios de Bindóia faziam pedra chorar. Da Décima do Boi Bonito, não fez caso: “Aquilo é uma bobagem… A gente que ensinou pra ele”. E canta versos absurdos: “Querer bem é muito bom,/mas é muito perigoso: /se eu matá, perco a vida,/se eu morrer, sou criminoso./

No entremeio do Grande Sertão:Veredas, esta gema: “Remanso de rio largo,/Bebedor das andorinhas,/Morena, seu pensamento/Meu coração adivinha”. E mais esta: “Olerê, baiana…/eu ia e não vou mais:/eu faço/que vou/lá dentro, oh baiana!/e volto do meio pra
trás…”.

Para fecho e facho, trecho de singela boniteza: “O galo cantou na serra” – gostoso de se ouvir na voz suave de Nara Leão:

“O galo cantou na serra/Da meia noite pro dia/O touro berrou na vargem/No meio da vacaria/Coração se amanheceu/De saudade que doía.

As Lages vale um conto/Cordisburgo conto e cem/Mas Curvelo não tem preço/Por que lá mora meu bem.

As ruas de Curvelo/São todas feitas de chão/Quando passa um automóvel/Alevanta um poeirão.

A poeira de Curvelo/Não faz mal pra ninguém, não/Do pulmão, lá ninguém morre/O que mata é o coração.

Quero poeira de Curvelo/Com lama de Pirapora/Aqui é que mais num fico/Amanhã eu vou-me embora.

Minha gente vou-me embora/Mineiro tá me chamando/Mineiro tem esse jeito / Chama, a gente vai andando.

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