Entre Porões e Montanhas Gerais

Entre Porões e Montanhas Gerais

Entre Porões e Montanhas Gerais Fotos: ARQUIVO PESSOAL

Eymard Brandão Artista Plástico e ex-professor da Guignard

Durante minha preparação para ingressar na Escola de Arquitetura da UFMG, um professor de desenho no cursinho pré-vestibular disse em uma de suas aulas:

– Hoje vocês vão conhecer uma escola de belas artes que temos no Parque Municipal.

Fomos então na pequena escola que ocupava alguns espaços do inacabado Palácio das Artes. Vimos naquele dia estudantes com uma folha de árvore – colhida nas proximidades – que usavam como modelo para serem reproduzidas na argila. O professor de modelagem Alberto de Castro era quem passava devidas orientações. Neste dia conhecemos também desenhos e pinturas expostos naquela “Escolinha do Parque”.

Minha prendida profissão de arquiteto se encerrou naquele momento. No dia seguinte voltei, obtive as informações para fazer o próximo exame de seleção. Fui aprovado e no ano de 1971 recebi o diploma de Graduação em Artes Plásticas. Os ex-alunos do mestre Guignard eram os nossos professores e até o presente momento mantenho continuidade com tudo que naquele dia se iniciou assim.

Depois a escola se mudou para o subsolo do Palácio das Artes onde se situa hoje a Galeria Maris’Tella Tristão. Neste espaço suas atividades foram ampliadas em todos os sentidos. O próximo passo foi a nova sede própria no bairro Mangabeiras, conquista finalmente alcançada. Em ambos os espaços, Sara Ávila nas aulas de criatividade nos ensinava a ver pelo lado de fora e também pelo nosso lado de dentro. Já nas aulas de escultura, Amilcar de Castro frequentemente dizia enquanto manipulávamos ferros e outros metais:

– Eu não sei fazer nada sem desenhar.

Significativa importância tiveram todos os nossos outros professores também. Maria Helena Andrés me levou para o curso de pós-graduação que fiz na Índia. Antônio de Paiva Moura registrou toda a história da Guignard em publicações e livros da melhor qualidade.

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Nesta trajetória que comemora 80 anos, em 2024, a Guignard conquistou reconhecida importância em nossa identidade artística e cultural, expandindo-se muito além das fronteiras do nosso estado. Várias designações e nomes acompanharam estes caminhos de crescimento, e hoje seu Corpo Docente envolve além da Diretoria os seguintes departamentos: Artes Plásticas, Disciplinas Tridimensionais, Artes Visuais – Disciplinas Teóricas e Psicopedagógicas. As coordenações dos cursos de Bacharelado, Licenciatura, Pós-graduação Lato Senso, além das áreas de Pesquisa e Extensão, Galeria de Arte e Acervo. A escola tem hoje cinquenta e cinco professores e cerca de quatrocentos alunos.

Durante décadas a liberdade direcionada para o fazer artístico com importante referência nos desenhos da paisagem, da figura humana e dos objetos construídos pelo homem, ampliou sempre nosso olhar e consequente domínio dos diversos meios de expressão artística. Estes modelos observados na terceira dimensão passavam do lápis para o papel e o uso da borracha ia sendo descartado porque cada vez mais acertávamos. Aprendíamos a nadar entrando na água e sem teorias intelectualizadas, depois era depois. Gravura, escultura, cerâmica e pintura, por exemplo, eram aulas que além das técnicas específicas iam também estimulando nosso potencial criativo, que acontece também onde as palavras não sabem falar. Na história universal da arte percorríamos as linhas e formas nas paredes de períodos paleolíticos até o que ocorre nas recentes bienais internacionais. Já o espirito da linha a nos dar o domínio de nossos meios de expressão com os modelos da figura humana, a natureza do Parque Municipal e o construído pelo homem, que começava nas salas aula e ia se expandindo para fora delas, como por exemplo, para o Mercado Central, as belas casas de Ouro Preto e outros. Nas ruas de Belo Horizonte, pessoas paradas ou se movimentando, em todos os lugares.

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As matérias do curso tiveram ligação direta com os artistas que as lecionavam e depois os alunos dos alunos de Guignard foram também integrando seu corpo docente e tudo isto vem sendo mudado gradativamente, em processos de transformações diversas.

Anteriormente, na reconstrução do Palácio das Artes, nosso espaço ampliou positivamente e ocorreu a inclusão de matérias e ateliês como os de gravura em metal, litografia e serigrafia, cerâmica com fornos específicos para sua queima, fotografia, dentre outros.

Com as transformações em seu espaço a escola passou a ser mais visitada por novos artistas, escritores, filósofos, jornalistas, críticos de arte, etc. Sua cantina na entrada se integrava aos que estudavam no Curso de Dança e outros da Fundação Clóvis Salgado. Encontros, pois, entre harmoniosas e relativas diversidades. Acontecia por exemplo de uma conhecida cantora lírica aquecer a voz cantando pelos corredores da Escola, integrantes da ópera ou de uma peça teatral irem tomar café vestidos com os trajes que usavam no ensaio.

Isto às vezes causava certo estranhamento em visitantes que por ali transitavam. Entre esta cantina e a entrada da escola aconteceu a chamada Turma do Banquinho, formada por alguns alunos que ficavam ali no intervalo das aulas. Assentados, com um bloco de papel A3 e lápis sempre nas mãos, eu e Selma Weissman fazíamos caricaturas de alguns que por ali passavam. Acontecia de algumas pessoas passarem mais apressadamente, olhando para o outro lado, afim de evitar este tipo de registro. Isto nos levou para atividades profissionais em jornais e revistas com espaço para charges e desenhos humorísticos.

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A conquista para ter sua sede própria marcou décadas de lutas e trabalhos que finalizaram com seu belo prédio junto à Serra do Curral, projeto do arquiteto Gustavo Pena. Ali continua situada, após de ter sido incorporada à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. Este fato gerou polêmicas e mudanças que nos levam a 2011 onde seu terreno, sede e até seu rico acervo tiveram doação autorizada para a UEMG e sua remoção prevista para distante e inadequado local. Um diretor sem maiores conexões com nossa escola e país, direcionou estas mudanças. Alunos e professores tiveram conhecimento do fato somente depois de concretizado e não houve nenhuma aceitação passiva. O movimento “Daqui Não Saio, Daqui Ninguém Me Tira” foi importante e decisivo para manter nossas conquistas.

Assim a Escola Guignard continua até o presente momento no local onde foi construída, e atualmente conta com a positiva gestão da artista Lorena D’Arc. Do lado externo de sua sede, a bela vista da cidade e de montanhas continuam reinaugurando nossos olhares.

 

Eymard Brandão

Artista Plástico, 2024

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