Escola Guignard OITENTA ANOS
Nos Caminhos da Arte
Uma didática do afeto
Escola Guignard OITENTA ANOS Fotos: ARQUIVO PESSOAL
Há exatamente 40 anos atrás, em 1894, entrei para a Escola Guignard como aluna do Curso de Artes Plásticas e até hoje, nunca me desvinculei da escola. De aluna passei a monitora e na sequência me tornei professora, ocupando também cargos administrativos. Dois terços de minha vida estão totalmente ligados a este lugar que transformou meu modo de ver o mundo e faz parte de minha vida.
Até hoje me emociono quando passo pela lateral da Palácio das Artes e vejo as escadinhas que davam acesso ao porão onde funcionou a Fundação Escola Guignard por pouco mais de 40 anos até a sua mudança para a sede própria no bairro Mangabeiras em 1995, nesse momento, já incorporada à UEMG.
O ambiente da Escola no porão, foi fundamental para a minha formação como artista e como educadora. Tive o privilégio de estudar com vários artistas que foram alunos de Guignard e assim, pude assimilar de forma mais direta as histórias do início da escola e filosofia do mestre. Por meio das aulas de criatividade de Sara Ávila, xilogravura com Vilma Rabelo, cerâmica com Lizette Meimberg, história da arte com Pierre Santos, chamados de filhos de Guignard. E, pela segunda geração de artistas denominados por nós de netos de Guignard. Antônio de Paiva Moura, Carlos Wolney, Eymard Brandão, Marco Túlio Resende, Orlando Castaño, José Gouveia, Glória Lamounier, Pedro Augusto, Fátima Pena, Enezila Campos, Roberto Gusmão. E as queridas parceiras da cerâmica Terezinha Escobar e Mary Lane Amaral, digo aqui parceiras, porque a cerâmica é a minha cadeira.
Passava o dia inteiro na escola, naturalmente, me tornei monitora de cerâmica e, logo em seguida, comecei a dar cursos livres. Na época, a remuneração salarial dos professores era muito baixa, foi quando eu comecei a substituir as aulas de cerâmica da Professora Terezinha Escobar. Como o curso de Artes Plásticas era de nível superior, mas ainda não reconhecido pelo MEC, iniciei em 1989 a graduação em Licenciatura na própria escola em horário alternado das aulas.
Sentia que éramos como uma grande família, havia ali uma preocupação em manter o legado de Guignard na passagem de seus ensinamentos de geração em geração. Absorvia e seguia muito pela intuição. A pesquisa prática dos ateliês era enfatizada na observação, na liberdade e disciplina e ao seguir esses passos, os replicava aos meus discentes.
Escola Guignard OITENTA ANOS
Ao meu ver, Guignard enquanto educador, esteve a frente de seu tempo e torna-se cada vez mais atual. Sua proposta metodológica é a de aprender a ver o mundo para melhor apreendê-lo. O ato de ver em Guignard é o de observar e redescobrir as coisas, como se as visse pela primeira vez. O olhar atento transforma-se em um fenômeno no tempo, na “maturação do olhar”, e na “colheita do gesto”. Assim precede-se um desenho, observando a cena o tempo que for necessário, para depois representa-la. Fui aprendendo a ler o mundo, com um olhar atento, ou como diz o artista e professor Carlos Wolney: “um precioso olhar afetivo”. Dessa vivência, repasso esse legado até hoje aos meus alunos.
No final dos anos 80, com a extinção das fundações, a Escola optou por sua incorporação à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. Foi uma mudança radical e de grande impacto em todos os sentidos. Coincidentemente, estávamos também nos adaptando às novas instalações da sede própria, uma grande conquista dos artistas que lutaram pela escola e pela memória do Guignard.
O projeto do arquiteto Gustavo Pena, construído num terreno em comodato pela Prefeitura, mudou radicalmente a nossa relação espacial, anteriormente convivíamos num espaço que só tinha uma única porta de entrada e saída, enquanto que o novo prédio tinha uma imensidão de portas. E, da mesma forma como tivemos que nos adaptar ao novo espaço, tivemos que nos adequar às novas demandas e normas acadêmicas. Talvez, esse seja o grande desafio até hoje: manter uma metodologia tão particular dentro de exigências padronizadas pelo sistema acadêmico.
A cada ano, as dificuldades de verbas a serem repassadas pelo Estado aumentam junto à burocracia que agora é digital. Infelizmente o ensino superior vem sendo sucateado pela falta de recursos de manutenção e de concursos para professores e técnicos administrativos. A Escola Guignard, assim como a UEMG, tem sido muito prejudicada por este descaso. Professores e funcionários quando se aposentam não são substituídos, fazendo com que aqueles que ficam, acumularem funções em excesso. Essa situação vem se agravando nos últimos anos, o que tem causado grande adoecimento, estresse e desgosto.
Escola Guignard OITENTA ANOS
Esta precariedade alcançou também o nosso prédio, que completou 30 anos de atividades e que necessita com urgência de uma reforma nas instalações elétricas, hidráulicas e telhado. Sofremos principalmente no período de chuvas por causa das infiltrações que percorrem por todos os andares. Nossa maior preocupação é a de um incêndio.
Em minha gestão, como apoio da UEMG conseguimos um projeto para reforma da Escola Guignard que já foi aprovado e concluído. No momento, aguardamos que o DER dê os encaminhamentos necessários para a efetivação da reforma. Estamos aguardando o edital de contratação de construtora para a realização da obra, prevista para iniciar entre o segundo semestre deste ano, ou início de 2025.
Apesar desse cenário de dificuldades, acredito na proposta de ensino do nosso Mestre e que buscamos manter viva no cotidiano da Escola Guignard. Afinal, os desafios vividos pela Escola sempre existiram e a nossa resistência sempre nos fortaleceu enquanto artistas e educadores.
Nesses ininterruptos 40 anos experenciados na Escola Guignard, em que cursei as duas graduações e Lato-Sensu, passei por todos os cargos administrativos e agora na diretoria, vejo que cada época exige da Escola Guignard uma nova superação, mas há sempre uma linha condutora permeada de afeto que nos move. Nesse mundo acelerado, do virtual, das relações que não se olham, não se percebem, Guignard se faz necessário!
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