De caminhantes a amigas da estrada real – Por Maria Elvira de Sales Ferreira

De caminhantes a amigas da estrada real

Por Maria Elvira de Sales Ferreira

(Uma das fundadoras e última presidente da ACER.)

Desde 2003, envolvi-me com a Estrada Real através de convite da professora Dalva Thomaz e da empresária Beth Pimenta (fundadora da Água de Cheiro), para fazermos juntas um roteiro de caminhada de Bom Jesus do Amparo até Conceição do Mato Dentro, em um percurso do Caminho Velho da Estrada Real. Várias participantes estudaram no Instituto São Joaquim, em Conceição, e queriam rever sua escola. Formou-se então um grupo de 23 mulheres aventureiras, ainda sem um uniforme, mas com uma camiseta que as identificava. Conheceram as entranhas de Minas Gerais. Desta viagem nasceu e, no meu caso, cresceu o amor pelo interior de Minas, sua cultura própria, a empatia e hospitalidade das pessoas mineiras, a deliciosa comida, a música dos violeiros e congadeiros, o convívio com a beleza de nossa paisagem, nossas deslumbrantes montanhas.

Maria Elvira, uma das fundadoras e última presidente da ACER e seu Anúbis

Fomos capturadas a partir daí por essa “paixão”. Quem começou a caminhar em 2003 quis continuar e, então, durante 17 anos vivemos viagens encantadoras… Muitas vezes, tivemos que lidar com acomodações desconfortáveis, mas nada nos desestimulou a continuar. Criamos “As Caminhantes da Estrada Real” (ACER) em 2007, com um lindo uniforme nas cores branco, verde e laranja; e também um hino composto pelo compositor Wander Safe. Tivemos Beth Pimenta como “líder inconteste”, eleita presidente de fato, e uma diretoria para apoiá-la.

Nossa! E vieram vários roteiros do Caminho Velho, que ligavam Diamantina a Parati (Rio de Janeiro), porto para onde levavam nosso ouro e pedras preciosas para Portugal. Depois, fizemos o Caminho Novo, saindo de Diamantina e indo até o Rio de Janeiro, uma variante que a Corte Portuguesa construiu em pleno século XVIII.  Percorremos quase 1.700km nessas 1ª e 2ª fases do projeto. Enquanto terminávamos o percurso, algumas saíram e muitas entraram. Chegamos ao número de 80 caminhantes.

Ao longo dessa trajetória, divulgamos o Turismo e a Gastronomia. Fomos investidas do título de Embaixadoras da Estrada Real pelo governador Antônio Anastasia e o então Secretário de Turismo Deputado Agostinho Patrus. Ganhamos várias medalhas, comendas, diplomas e troféus – um deles nos Estados Unidos, em Hartford, de um grupo tendo à frente a filantropa Esther Naek.

Com o passar dos anos, resolvemos abrir nosso compasso para conhecer o país e surgiu o programa “Vivências do Brasil”, com assessoria de Mariela Miranda, da Zenith Turismo. Visitamos a Chapada Diamantina (Bahia), o Jalapão (Tocantins), o Cânion do Xingó e a Rota do Cangaço (Sergipe), o Vale Europeu (Santa Catarina), Atibaia e a Represa de Billings (São Paulo), os Lençóis Maranhenses (Maranhão) e também o Delta do Parnaíba (Piauí). Caminhamos diversas trilhas em Nova Lima, Itabirito, Ouro Preto, Rio Acima, Brumadinho, no Inhotim, e também fizemos o Caminho das Oliveiras no Sul de Minas. Além de tudo isso, para a nossa alegria, plantamos mais de 200 mil árvores com o projeto “Árvore e Vida”, que assumimos em Minas a partir da BPW Brasil (Federação das Associações de Mulheres de Negócios e Profissionais), entidade internacional presente em 80 países.

Particularmente, nesses meus 70 anos de idade – tendo passado por momentos de sérios problemas de saúde – devo dizer que nosso grupo foi e, ainda é, uma das coisas mais gratificantes e felizes que pudemos viver. Com “sororidade”, esse sentimento de mulheres irmanadas, compartilhamos interesses comuns: viver com saúde e bem-estar, buscando novas experiências enriquecedoras. Aprendemos tanto umas com as outras, trocamos receitas culinárias, indicações de livros, filmes, dicas de manejo familiar e informações sobre saúde. Sonhamos viagens juntas, jogamos buraco, tomamos vinhos (Somos Di-vinas) e lá se vão 17 anos!

Foi no governo do então prefeito Márcio Lacerda, com apoio dos secretários Josué Valadão e Marcello Abi-Saber que conseguimos um espaço próprio, em comodato, para sediarmos o Grupo. Funcionávamos, antes, em uma casa de minha propriedade que emprestei à turma, mas precisei vendê-la posteriormente. Com essa concessão de espaço, lá fomos nós para o belíssimo Parque das Mangabeiras, nossa casa durante os últimos 10 anos. Todas às quarta-feira tínhamos reuniões da diretoria, com direito a café e lanchinhos gostosos. Além disso, tínhamos por perto os quatis, a cachorrinha  Naná – adotada pela secretária Regina – e os desengonçados jacus – pássaros nem tão conhecidos que viviam na nossa porta. A sala tornou-se um espaço turístico do Parque, com nossos quadros, mapas, banners, uniforme em uma manequim e cajados expostos, que faziam muito sucesso…

Uma de nossas caminhantes, a juíza Diva Dorothy Safe publicou 4 livros sobre as Caminhantes da ER, dentre eles, um sobre Cantigas de roda (pesquisa) e outro sobre Flores e Fogões – todos esgotados. Além dela, Fátima de Oliveira (A Coisinha) também publicou um livro chamado “Boni – Um Cachorro Real”, inspirado na história de um cãozinho que nos acompanhou em uma das caminhadas. São muitas memórias e registros inesquecíveis.

Mesmo com tanta história para contar, desde antes da pandemia, já sentíamos o nosso peso de idade chegando. Fomos reduzindo a 42 associadas, pagantes de mensalidade, o que se tornou insuficiente para cobrir o salário da secretária executiva, do contador mensal, dos custos do escritório, material de limpeza, faxineira, conta de telefone e impostos.  Em vista dessas dificuldades, decidimos extinguir o CNPJ, devolver a sala do Parque à Prefeitura e guardar nossa “memorabília” em outro espaço. Procuramos o Instituto Estrada Real, da FIEMG, o qual aceitou armazenar nossos pertences até um segundo momento. Nossos agradecimentos ao presidente Daniel Junqueira, que nos recebeu. Em breve, pretendemos instalar nosso Memorial das Caminhantes aqui em BH – cidade em que o grupo nasceu e cresceu, com muitas histórias e estórias.

Agora somos “As Amigas da Estrada Real”, mudamos de nome, mas ainda somos ligadas por esse patrimônio cultural que foi e continua sendo um marco da nossa História brasileira. Os portugueses levaram sim muitas riquezas, mas temos um “Ouro” valioso aqui em Minas: o Turismo. Nós acreditamos nele, continuaremos atentas e solidárias a todo movimento que o favoreça.

Nosso imenso agradecimento ao Prefeito Alexandre Kalil e ao ambientalista Sérgio Augusto Domingues (O Guto), presidente da Fundação de Parques de Belo Horizonte, pelo acolhimento e confiança.

As “Amigas da Estrada Real” continuarão em atividades com os mesmos interesses que nos uniram na composição da ACER. Mas agora de um jeito diferente. Sem dúvida alguma, o melhor de tudo são as amizades construídas e os momentos vividos, que fazem muito bem para nossa saúde física e mental. Somos um grupo que, já na terceira idade, consegue vivenciar essa fase com muito prazer e “savoir-vivre”. Penso que somos exemplares, desculpem a falta de modéstia.

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