Cataguases, capital cultural modernista de Minas Gerais.
Por Luiz Guadalupe – Cônsul Honorário da República Tcheca
Fotos: Hernani Digital
Há muito tempo nutria o desejo de conhecer Cataguases. Noticias e reportagens sobre a efervescência cultural da cidade sempre me motivaram a conhecê-la. Como cinéfilo sempre lia sobre a atividade de Humberto Mauro, pioneiro do cinema no Brasil e seu trabalho naquela cidade. Da mesma forma, informações sobre a Revista Verde e o conjunto arquitetônico modernista que Cataguases ostenta.
A oportunidade surgiu em função de minha atividade como Cônsul Honorário da República Tcheca em Minas. O Consulado-Geral em São Paulo, em um trabalho de resgate da presença tcheca no Brasil, me informou da marcante presença de um tcheco em Cataguases. Trata-se do artista, escultor e pintor, Jan Zach, nascido em 1914, fugindo da invasão nazista na antiga Tchecoslováquia, veio para o Brasil em 1939. Fomos visitar esta cidade onde nos recebeu com muito entusiasmo o atuante secretário municipal de Cultura, Fausto Menta, que nos ciceroneou em um aprazivel passeio pelas obras de arte espalhadas pela cidade. Zach morava no Rio de Janeiro onde travou amizade com representantes do movimento modernista, muito forte naquela ocasião.
Um desses contatos foi com o grande industrial, escritor e colecionador de arte, o cataguasense Francisco Inácio Peixoto. A amizade entre eles cresceu a ponto de convidar Zach a mudar-se para Cataguases na década de 1940. E lá, o artista tcheco deixaria três grandes esculturas. Uma delas é “o Pensador”, que embeleza (ainda mais) a entrada do Colégio Cataguases, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e onde estudou, como interno, Chico Buarque de Holanda. Outras duas importantes peças de Zach são esculturas “primitivas” de mulheres. Uma delas fica atualmente no jardim do Hotel Cataguases (num marcante prédio modernista projetado por Aldary Toledo e com jardins de Burle Marx), e outra, numa belíssima casa vizinha ao hotel, igualmente projetada por Niemeyer e jardins de Burle Marx, onde residiu Francisco Peixoto. Uma de suas filhas Cristina Peixoto Henriques, mantém nessa magnífica residência.
Há ainda quadros do artista tcheco nas paredes do Hotel Cataguases.
Além de Jan Zach vários expoentes do Modernismo Brasileiro estiveram em Cataguases onde deixaram obras, como o próprio Oscar Niemeyer, Burle Marx, Cândido Portinari, Francisco Bolonha, Anisio Medeiros, Djanira, Joaquim Tenreiro e Emeric Marcier. Destaque aqui para o Colégio Cataguases, criação de Niemeyer, e que hoje é escola estadual onde também abriga, além da escultura de Zach, uma imensa réplica do mural de Portinari chamado “Inconfidência Mineira”, cujo original está em São Paulo, no Memorial da América Latina. O Colégio também mantém um cineclube, inaugurado pelo cineasta Silvio Tendler, que empresta seu nome ao local.
O passeio pelo enorme acervo modernista que Cataguases nos proporciona é enriquecedor e muito valioso. Cidade que tem uma grande parte de sua área central tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), inclusive a linha férrea que corta a cidade e os paralelepípedos de suas principais ruas, preserva sua arquitetura Modernista com o casario tradicional. Literalmente uma volta a um tempo recente e muito enriquecedor da arquitetura nacional. Cidade que também abrigou os Verdes, movimento literário modernista, formado por um grupo de rapazes cataguasenses ávidos por cultura e talentosos escritores e poetas como Rosário Fusco, Ascânio Lopes, que morreu muito jovem vítima de tuberculose, além do próprio Francisco Peixoto, entre outros que colocaram o nome de Cataguases na literatura modernista do país.
Humberto Mauro, pai do Cinema Nacional, não nasceu em Cataguases, mas sim em uma cidade próxima dali. Mas foi Cataguases que ele escolheu para morar e produzir seus filmes. Dos arredores da cidade fez o cenário de suas primeiras obras e também escolheu entre a população seus atores, como Eva Comello, filha de seu amigo e fotógrafo Pedro Comello, que veio do Egito para se radicar com a família em Cataguases. Eva, que adotou o sobrenome Nill, foi talvez a primeira musa do cinema brasileiro e uma das atrizes mais queridas com quem Mauro trabalhou. A cidade tem um centro cultural em seu nome que guarda um fantástico acervo sobre sua obra e é mantido por uma fundação vinculada a uma grande empresa. Já Eva Nill, que depois do cinema resolveu seguir a carreira do pai como fotógrafa, dá nome a outro centro cultural, que funciona na antiga estação ferroviária da cidade e que é mantido pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura.
E não para por aí. A cidade ainda tem uma Fundação Cultural mantida por outra empresa privada que atua voltada para as mais diversas manifestações culturais, sem contar a casa que viveu a artista plástica cataguasense Nanzita, recentemente assumida em comodato por uma cooperativa de crédito cataguasense, que a transformou no mais novo centro cultural da cidade. O espaço é utilizado para os vários projetos culturais implementados pela cooperativa e é aberto a visitação pública. No seu interior há um mural de Emeric Marcier, denominado “A Lenda sobre o rapto de Helena de Troia” e na entrada; o painel “Feira Nordestina”, de Anísio Medeiros. A residência foi projetada por Francisco Bolonha onde também estão expostas as obras da ex-proprietária ilustre que deixou o imóvel em testamento para a Igreja Católica.
A cidade tem ainda um dinâmico polo audiovisual e várias ouras obras como: A fiandeiras de Portinari, o painel de Emeric Mercier.
Simplesmente inesquecível