Uma fortuna singular no garimpo das letras – Angelo Oswaldo
O nascimento de Minas Gerais foi marcado pela destruição de um livro. O jesuíta Antonil publicou em Lisboa, em 1711, “Cultura e Opulência do Brasil”, em cujas páginas revelou o roteiro a ser percorrido por quem saísse do Rio de Janeiro em demanda das minas de ouro. Diante da invasão e pilhagem do Rio, naquele ano, pelos piratas franceses comandados por Duguay-Trouin, o rei de Portugal mandou queimar toda a edição, da qual sobreviveram raríssimos exemplares.
A própria criação da Capitania de Minas Gerais gerou, faz 300 anos exatos, o livro que o conde de Assumar, último governador da Capitania de São Paulo e Minas, patrocinou para promover a sua defesa em face das atrocidades com que enfrentou a sedição de Vila Rica. Assumar ateou fogo em parte de Ouro Preto, desde então chamada de Morro da Queimada, e ordenou o esquartejamento de Felipe dos Santos na praça de Vila Rica, onde 72 anos mais tarde seria fincada a cabeça do Tiradentes.
Mas o destino do eldorado brasileiro era o de se tornar um dos maiores centros literários do mundo. Minas das letras, minas de cultura. Qual região daria à literatura nomes como Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa?
A primeira literatura brasileira nasceu em Minas Gerais, com os poetas árcades como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Basílio da Gama, Frei Santa Rita Durão, Silva Alvarenga e Eloy Ottoni. Bárbara Heliodora e Beatriz Brandão marcam a presença feminina na aurora da nossa poesia.
O escritor e poeta Bernardo Guimarães, o poeta Aureliano Lessa, o
historiador Joaquim Felício dos Santos, o contista Afonso Arinos, os poetas João Nepomuceno Kubitschek, tio-avô do presidente JK, Augusto de Lima, Severiano de Rezende e Alphonsus de Guimaraens atravessam o romantismo, o simbolismo e o parnasianismo. O movimento modernista em Minas deu a safra mais admirável: Drummond, ao lado de Pedro Nava, Emílio Moura, Abgar Renault. E os Verdes de Cataguases, com Rosário Fusco e Ascânio Lopes. E Murilo Mendes, mineiro desgarrado no Rio e em Roma. Logo vieram Cyro dos Anjos, Cornélio Pena, Henriqueta Lisboa,
Lúcio Cardoso, Autran Dourado, Fernando Sabino, Oto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Murilo Rubião, Mário Palmério, Bueno de Rivera e Affonso Ávila. Seguidos de Afonso Romano de Sant’Anna e Silviano Santiago. Darci Ribeiro e mais mineiros exportados como minério raro: Campos de Carvalho e Rubem Fonseca.
Guimarães Rosa tornou-se um dos maiores escritores do Brasil e legou uma obra monumental à língua portuguesa. Oswaldo França Junior, Roberto Drummond, Luiz Vilela e Sérgio Sant’Anna marcaram o final do século. Nas gerações mais recentes, multiplicam-se as referências de qualidade extraordinária. Remataria a lista, para não cometer omissões, com a lembrança do nome de três poetas negros que honram a presença mineira na contemporaneidade: Anelito de Oliveira, Edimilson de Almeida
Pereira e Ricardo Aleixo.
O ouro ensejou o surgimento da primeira sociedade urbana do Brasil. Nela floresceram as letras e as artes. Daí essa riqueza que não se esgota e o brilho da contribuição dos autores e autoras de Minas Gerais ao universo literário do país e da língua.
Gostei muito das palavras e abordagens. E saber da edição de trabalhos que resgatam e atualizam uma biblioteca que não cessa de se formar, não se cala, trazendo a lume autores esquecidos, revisitando obras, revelando autores, demonstrando nossa vocação poética vinculada à terra profunda, aos vales, sertões e cadeias montanhosas. Nossa formação social e cultural heterodoxa forjou a sensibilidade nas letras e em outras expressões da arte. Parabenizo a revista e os testemunhos proeminentes.