Relembrando Os “Velhos Carnavais”.

Relembrando Os “Velhos Carnavais”

Relembrando Os “Velhos Carnavais” Fotos – arquivo pessoal

Por Marilene Guzella Martins Lemos

Alguém se lembra de algum samba-enredo dos últimos Carnavais? Aposto que não. Mas se eu entoar a famosa marchinha que Chiquinha Gonzaga fez para o Carnaval de 1901, muita gente vai me acompanhar:

Ó Abre alas, que eu quero passar…eu sou da Lira, nem posso negar…

Relembrando Os “Velhos Carnavais” Relembrando Os “Velhos Carnavais” CARNAVAL CARNAVAL CARNAVAL 2024 CARNAVAL 2024 MARCHINHAS MARCHINHAS CONFETE CONFETEEsta é considerada a primeira música carnavalesca. Eu vou mais atrás. Desde 1847 um português chamado José Pereira, nos dias de Carnaval, saia tocando um bumbo, atraindo um bando de acompanhantes. Daí, todo tocador de bumbo ficou se chamando “Zé Pereira”, acompanhado daquela musiquinha que surgiu não se sabe como e com várias letras:

Olha o Zé Pereira…  que evoluiu para…  Ó Pereira…bum…  bum… bum ..

 E que, com o passar do tempo virou introdução para as orquestras lançarem o grito de guerra e atacar furiosamente alguma marchinha, atraindo os foliões para o meio do salão. Acho que esta foi a primeira música, primeira demonstração, embora não passe de um arremedo.

Sobre os primeiros anos do Carnaval Brasileiro existem publicações de jornais e revistas. Uma notícia interessante é sobre um baile carnavalesco promovido em 1846 por uma artista de renome, Clara Delmastro, em que a música mais tocada foi… a .Polka

O Carnaval Brasileiro gerou número enorme de músicas que se tornaram eternas. O que fez as músicas antigas de carnaval permanecerem na memória, só Deus sabe. Os ritmos são contagiantes, mas as letras, maior parte, são simples, até simplórias, ingênuas.  Às vezes com alguma malícia. Mas até a malícia era ingênua, se isso eu poderia dizer.

E elas permanecem na memória, no coração e na saudade de um tempo sem tanta tecnologia, mas de muito romantismo.

A Estrela D’alva. No céu desponta… e a lua anda tonta, com tamanho esplendor…

Um Pierrot apaixonado, que vivia só cantando…., mas também…. Índio quer apito, se não der pau vai comer.

A partir do Abre Alas ficaram registradas algumas músicas que são chamadas do CARNAVAL PRIMITIVO:

A Baratinha yayá, a baratinha yoyõ…, Tatu subiu no pau,,é mintira de vancê…                                                                                           Yayá me deixa subir nesta Ladeira…eu sou do bloco mas não pego na chaleira.

Esta última tem uma história:

Um político gaúcho de grande poder e prestigio, Pinheiro Machado, morava no Morro de Santa Tereza. Os que desejavam cair em suas boas graças, subiam o morro e disputavam o privilégio de despejar, com uma chaleira, água quente em seu chimarrão.

Nas duas primeiras décadas do século passado o grande interprete das músicas era o Bahiano. As gravações

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continham um prólogo, dito pelo mesmo, com voz esganiçada:

Musica tal, cantada pelo Bahiano para a casa Edson do Rio de Janeiro.

Em 1917 surgiu o primeiro samba – mas com ritmo de maxixe – Pelo Telefone – O chefe de Polícia, pelo telefone, mandou avisar…  A história é que antes de dar uma batida num ponto de Jogo de Bicho, o dito cujo tinha a delicadeza de se anunciar.

Até 1920, os chamados sambas tinham um ritmo mais aproximado do maxixe. Só depois que Francisco Alves entrou em contato com os compositores do Morro do Estácio, Bide, Marçal e Ismael Silva, foi que o samba brasileiro tomou a forma e o ritmo em que se celebrizou.

Foi na década de 20 que os sambas e as marchinhas de carnaval iniciaram um período áureo que iria durar até o fim da década de 60,

Relembrando Os “Velhos Carnavais”

NOS ANOS 20 elas reinaram, ocupando o tempo das emissoras de rádio nos meses que antecediam o Carnaval. Os temas variavam entre críticas aos políticos, problemas sociais, querelas entre compositores, exaltação aos tipos femininos, casos de amor. Concursos avaliavam e premiavam os maiorais.

 Sinhô foi um dos cantores de maior fama, reinou absoluto.

Nesse tempo, uma das músicas, Ai Seu Mé, também contou história:

Arthur Bernardes era candidato a Presidente da República. Como diziam dele possuir feições ovinas, era apelidado de Seu Mé.. Daí a letra:

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Ai, seu Mé, ai seu Mé . Lá no Palácio das Águias olé, não hás de botar o pé.

Acontece que ele, lá, não colocou só o pé, entrou inteirinho e ainda governou em “Estado de Sítio”

.A DÉCADA DE 30 chegou alegremente com Carmem Miranda cantando, de autoria de Joubert de Carvalho.

Taí, eu fiz tudo prá você gostar de mim, ai, meu bem não faz assim comigo não…..

Apareceram Noel Rosa, Francisco Alves, Lamartine Babo, Ismael Silva e outros, assinando:

Com que roupa, eu vou, ao samba que você me convidou……Quando eu morrer, não quero choro nem vela, quero uma fita amarela…Lourinha, lourinha, dos olhos claros de cristal… Eva querida, quero ser o teu Adão…. O teu cabelo não nega…o Pierrot apaixonado, que vivia só cantando, … Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar…Eu fui às Touradas de Madri, parará tibum, bum bum… Ó Jardineira por que estás tão triste, mas o que foi que aconteceu?

Relembrando Os “Velhos Carnavais”

NA DÉCADA DE 40, a mais fértil em marchinhas, os compositores se esmeravam. Citando apenas mais alguns: Haroldo Lobo, Mario Lago, Wilson Batista, Benedito Lacerda,são responsáveis por:

Eu perguntei ao Mal-me-quer, se meu bem ainda me quer….. ..Se você fosse sincera, õõõ, Aurora…… Ontem cheguei em casa Helena, te procurei, mas não encontrei…. Nós, nós os carecas, com as mulheres somos maiorais… Ai meu Deus que saudades da Amélia… vão acabar com a Praça Onze….. Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau…

Nesta década aconteceu um fato interessante. .Almeidinha, irmão  da famosa cantora Araci de Almeida  compôs um samba cujo estribilho dizia assim:

Trabalhar, eu não, eu não…trabalhar, eu não, eu não

Acontece que houve uma greve no porto de Santos e os trabalhadores usaram este estribilho como grito de guerra. Foi a conta. Almeidinha foi preso, acusado de comunista. Gerou uma reação: o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo de Getúlio Vargas encomendou aos compositores músicas que enaltecessem

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o trabalho. Entre algumas destacou-se:

O bonde São Januário leva mais um operário, sou eu que vou trabalhar

Um fator que contribuía bastante para o sucesso das músicas eram os filmes que a Atlântida, Companhia Cinematográfica lançava nos meses que antecediam ao Carnaval.  Emilinha Borba, Jorge Goulart, Marlene, e mais cantores apareciam em alguma boate já lançando as músicas para aquele ano.

ANOS 50 – Muitos sucessos ainda surgiram bestes anos.  Em plena Era da Televisão, algumas músicas emplacariam alguma fama justamente por terem sido lançadas em programas da Telinha. A década de 50 marca viradas enormes no modo de vida e comportamento da sociedade.  Finalizava a ERA DO RADIO e passava-se a viver a ERA DA TELEVISAO. Principais sucessos:

Um pequenino grão de areia… Você pensa que cachaça é água… As águas vão rolar…

ANOS 60 – A era das marchinhas de carnaval vivia em seus estertores, com poucas, mas boas composições:

Olha a cabeleira do Zezé… Rancho da Praça Onze… Máscara negra…

Relembrando Os “Velhos Carnavais”

Nos anos 70, graças à televisão:

A Marcha da Cueca, na TV do Sílvio Santos e Me Dá Um Dinheiro Aí, defendida pelo Moacir Franco,

apareceram bastante. Quando já nem se esperava mais alguma coisa que pudesse rivalizar com as marchinhas antigas, eis que aparecem três maravilhas, fechando o ciclo das músicas de carnaval, dignas de serem anexadas às joias preciosas das décadas anteriores.

Bandeira Branca, amor, não posso mais… Eu quero é botar meu bloco na rua… Lá vem Portela, com Pixinguinha em seu altar.

As marchinhas e sambas das décadas de 20 até 70 , inesquecíveis, são tesouros da Música Popular Brasileira. Merecem ser lembradas e mostradas às novas gerações pelo que representaram em proporcionar alegria a tanta gente.  Gerações as cantaram nos bailes e na rua. Tiveram o dom de permanecer na memória de muita  gente.  Ainda mais que vinham salpicadas de confetes e enroladas em serpentinas.

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Guardo ainda bem guardada a serpentina que ela jogou…Confete, pedacinho colorido de saudade…

E com um cheiro gostoso de lança-perfume.

Até as últimas décadas do século passado, em Belo Horizonte, o Carnaval não tinha a expressão do Rio de Janeiro. Nos clubes haviam os bailes pré-carnavalescos. Na quinta feira anterior aos dias de Folia os Diários Associados promoviam uma Batalha de Confete na rua Goiás, em frente á sua sede, naquela época. Nos três dias de carnaval havia o Corso, na Avenida Afonso Pena a partir da Feira de Amostras, demolida para dar lugar á Rodoviária. O corso ia até a atual Praça Tiradentes. Carros e alguns caminhões participavam levando músicos e blocos então famosos como o “Bocas Brancas da Floresta” e “Domésticas de Lourdes”

Relembrando Os “Velhos Carnavais”

Esse giro não durava muito. Depois das 10, 11 horas, os foliões iam para o Minas Tênis Club, Automóvel Clube, Iate ou PIC. O Iate manteve durantes décadas, um baile famoso, do MARINHEIRO.

Bailes de Carnaval muito animados eram os do DCE – Diretório Centrai de Estudantes, sede na Rua Gonçalves Dias, perto da Praça da Liberdade. As orquestras do Delê ou do Castilho garantiam a animação.

Durante o dia, na Avenida Afonso Pena, nas imediações da escadaria da Igreja de São José, alguns engraçadinhos costumavam assinar o ponto com alguma brincadeira. A presença principal era das gatinhas: moças com calças compridas, mangas compridas, luvas um saquinho branco na cabeça pintado com cara de gato e orelhas amarradas no alto. Com uma varinha elas mexiam e provocavam os passantes.

Dois compositores de Belo Horizonte se destacaram ao lançar músicas de Carnaval: Rômulo Pais e Celso Garcia, pelas composições que, infelizmente, ficaram por aqui:

Tô, tô, tô,  de camisolão, a mulher depois da 10 passa a chave no portão.

Foi prá Santa Tereza, que aquela beleza o bonde pegou…

Celso Garcia fez um samba em homenagem à Praça Vaz de Melo, onde se reunia a fina flor da boemia belorizontina. Esta praça é a nossa versão da Praça Onze carioca. .A praça da Lagoinha também foi sacrificada ao progresso com seu complexo de viadutos.

Ultimamente Belo Horizonte, outrora tão pacata, criou uma tradição com Blocos Carnavalescos atuando 24 horas pelas ruas e avenidas da cidade. Quem poderia imaginar que no ano atual, seria uma cidade que atrai milhões de turistas para dançar com os mais de 500 blocos que garantirão o melhor Carnaval de Rua do Brasil?

Relembrando Os “Velhos Carnavais”

One thought on “Relembrando Os “Velhos Carnavais”.

  • 4 de fevereiro de 2024 em 10:44
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    Excelente reportagem Velhos Carnavais 👏🏻👏🏻👏🏻 Saudosismo q toca no coração 💓

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