PRÊMIO PRIMEIRA LINHA ESPECIAL 2021 – PRISCILA FREIRE
PRÊMIO PRIMEIRA LINHA ESPECIAL 2021 – PRISCILA FREIRE
A simples menção do nome Priscila Freire nos remete à cultura, não somente de Minas Gerais, mas de todo o Brasil. Neste ano que se inicia, ela é a primeira personalidade a receber o Troféu Primeira Linha Especial 2021, como reconhecimento por toda uma vida dedicada a promover e a divulgar
o teatro, as artes plásticas e, especialmente, os museus. Fundou dezenas deles país afora, e agora, com o altruísmo que é sua marca registrada, acaba de criar o ICSEU – Instituto Chácara Santa Eulália. Por meio da instituição, ela comprova o seu amor pela nossa cultura, ao doar à UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais – seu diversificado acervo, com obras de arte popular e de consagrados artistas contemporâneos, um mobiliário formado por peças antigas e modernas
e uma chácara com árvores centenárias, que abrigará uma Casa– Museu, um Centro de Arte e Memorial, com documentos que alcançam o século XIX, na região da Pampulha, em BH
Mineira da capital, filha do engenheiro civil pela Politécnica do Rio de Janeiro, Walter Euler, descendente de suíços alemães de Basiléia e de Eulália Paraiso Ribeiro, nascida em Oliveira (MG) e que dá nome ao Instituto, Priscila foi criada no elegante Bairro de Lourdes e, ao lado do irmão gêmeo Ricardo, se destacava como exímia nadadora em longas horas de braçadas nas piscinas do Minas Tênis Clube, onde ambos iam a pé, apenas atravessando a Praça da Liberdade.
Como toda moça bem nascida de sua juventude, foi educada no Colégio Sion, dirigido por freiras francesas, onde aprimorou o seu gosto pelos livros e pela cultura, uma herança dos pais, que mantinham uma extensa biblioteca no enorme casarão onde moravam, na Rua Sergipe.
RÉGUA E COMPASSO
Diferentemente da maioria de suas colegas sionenses, logo depois de formar-se como normalista, o Ensino Médio da época, Priscila ingressou na Escola de Biblioteconomia da UFMG.
Diz que foi a mãe quem lhe deu a régua e o compasso para a escolha da profissão: “ela teve uma visão de futuro, me incentivando a me dedicar a bibliotecas ou a museus”, relembra, ressaltando que seu pai e sua mãe a educaram para ter uma profissão, e não se limitar a ser apenas dona de casa, destino das moças de boas famílias de então.
Fez um curso de Datilografia e, recém formada em Biblioteconomia, foi trabalhar na Biblioteca da Cemig, que funcionava no antigo prédio do Banco da Lavoura, na esquina da Avenida Afonso Pena com a Rua Rio de Janeiro, point elegante e centro econômico e cultural da capital nos Anos 1950.
Confessa que foi difícil se adaptar a uma biblioteca altamente especializada, dirigida especialmente para água, energia e barragens. Mas, amante de um bom desafio, por ali permaneceu por vários anos, até se casar com o médico Alberto Freire de Carvalho.
PIONEIRISMO EM BANCOS DE SANGUE
O marido Alberto, aliás, merece um capítulo à parte na história de vida de Priscila. Formado pela Escola de Medicina da UFMG, Alberto especializou-se em Hemoterapia.
Pioneiro nesta área, fundou o primeiro banco de Sangue de Belo Horizonte, onde também foi o primeiro a realizar transfusões em bebês com incompatibilidade de RH, ou seja, filhos de mães com RH negativo que nascem com RH positivo, a chamada eritroblastose fetal.
Além da Medicina, Alberto, com quem Priscila desfrutou de um feliz casamento por 54 anos, foi também um empresário de sucesso, sócio-fundador da Usina Siderúrgica Lafersa, onde ocupou durante anos o cargo de Diretor Presidente. “Ele era um empreendedor nato”, recorda, com carinho, admiração e muita saudade.
Alberto Freire de Carvalho também foi diretor tesoureiro da Cruz Vermelha durante toda a vida e, além da boa administração financeira frente à instituição, criou o programa “O Jovem Aprendiz” beneficiando adolescentes em trabalho e ensino, cujo sucesso permanece até hoje.
DA BIBLIOTECA À SOCIEDADE AMIGAS DA CULTURA
O marido sempre a incentivou na construção de sua vida profissional. O casal pontuava no soçaite belo-horizontino, na arte do bem receber, na organização de festas que marcaram época, como o Baile do Pierrot, que Priscila criou quando Alberto era diretor social do Automóvel Clube de BH.
E foi assim que ela assumiu a Presidência da Sociedade Amigas da Cultura, outra entidade que marcou a história sócio-cultural e benemérita de BH. Foi como dirigente da instituição que Priscila integrou o elenco da peça teatral “Mulheres”, sob a direção da grande atriz Dulcina de Moraes, que reuniu somente mulheres da sociedade como atrizes, para inaugurar o Teatro Marília. “A peça
foi um sucesso de público, longas filas se formavam em frente ao Teatro”, recorda-se. “Mas durou somente uma semana, os maridos começaram a reclamar que as esposas estavam voltando muito tarde pra casa, e foi o ponto final”, diverte-se.
O TEATRO E OS MUSEUS
“A partir dessa experiência, fui para o Rio de Janeiro aprender teatro com Maria Clara Machado no Tablado. Seguindo o exemplo dela, criei o TESC – Teatro Escola da Cruz Vermelha, que funciona junto ao Teatro Marília. Lá, dirigi vários espetáculos, infantis e adultos e tive mestres ao meu lado,
como Ítalo Mudado e Moacyr Laterza. Com J. D’Angelo, fiz peças de autores internacionais e aprendi muito. Com Paulo César Bicalho fizemos o fantástico “O filho do Boi Coringa” de Ney Barbosa”, conta.
Foi no Governo Tancredo Neves que a atriz e diretora teatral voltou-se para os museus, assumindo a Superintendência de Museus de Minas Gerais, à convite do então Secretário de Cultura José Aparecido de Oliveira. Nesta época, que rodou o Estado criando museus em várias cidades mineiras.
De Minas a Brasília foi um pulo: com o trabalho reconhecido nacionalmente, a partir de uma indicação de Ângelo Oswaldo e a nomeação do Ministro da Cultura Celso Furtado, foi para Brasília ser Coordenadora do Sistema Nacional de Museus. “Foi uma experiência vital de conhecimento político e cultural do Brasil”, reconhece. Entre o bate-e-volta de Brasília a BH, Priscila percorreu todo o país, inaugurando museus em várias regiões.
De volta a Belo Horizonte, foi trabalhar no IEPHA, o Instituto Estadual do Património Histórico e Artístico, de onde saiu para dirigir o Museu de Arte da Pampulha por 14 longos anos. Foi quando o MAP, em parceria com o recém-criado Instituto Inhotim, ganhou projeção nacional.
ACERVO DIVERSIFICADO SE TRANSFORMA EM PATRIMÔNIO PÚBLICO
Ao longo de sua história cultural, Priscila Freire tornou-se também uma grande colecionadora de obras de arte. Seu acervo, além de várias obras da arte popular, reúne , Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Amilcar de Castro, para citar apenas alguns. A coleção tem também obras inéditas do mestre Guignard, do qual chegou a ser aluna, frequentando a famosa escolinha de artes do
Parque Municipal, que depois se transformou na Escola Guignard, berço de grandes nomes da pintura, da escultura e do desenho.
Tudo está preservado na Chácara Santa Eulália, que leva o nome de sua mãe, adquirida por seu pai em meados dos Anos 1930 e que ela comprou nos Anos 1960. “Eu não queria morar em apartamento. A família ficou horrorizada com minha decisão de me mudar para ‘o meio do mato’, tão longe da cidade, como era naquela época”, conta, sorrindo.
Como não teve filhos e em atitude rara nos tempos atuais, Priscila Freire decidiu doar todo o seu acervo – incluindo a chácara e o mobiliário de sua casa – para a Escola Guignard, que hoje integra a UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais.
Para tanto, acaba de formalizar neste mês de janeiro o ICSEU – Instituto Chácara Santa Eulália, do qual é a Presidente do Conselho. A ideia é não somente transformar a chácara de 50 mil metros quadrados, por si só uma relíquia da botânica, em uma Casa-Museu, um Centro de Arte e Memorial, com documentos que alcançam o século XIX. Além do acervo, a Escola Guignard também recebeu como doação de Priscila uma grande biblioteca de artes plásticas, teatro e cinema.
O Instituto já está com inúmeros projetos inscritos em leis de incentivo cultural e Priscila, do alto dos seus 87 anos bem vividos e declarados, continua “correndo pra lá e pra cá” para viabilizar seu sonho de preservar e tornar acessível a arte e a cultura pelas quais lutou durante toda a sua vida.
Excelente materia.Obrigada por dividir a historia da Grande Priscila Freire que tive o prazer de conhecer e fazer o curso de teatro.