CHARLES LOTFI – Um admirável personagem
CHARLES LOTFI – Um admirável personagem
Integridade, empatia e conciliação predestinados à grandeza de uma alma
O carisma e a generosidade se imortalizaram no olhar e nos gestos dessa figura memorável, de ideias notáveis e ideais nobres. A Revista Primeira Linha apresenta uma releitura do Especial Charles Lotfi, destaque da edição de abril de 2021 da “Carta do Líbano”, a revista paulista de intercâmbio cultural reconhecida por resgatar a história, promover a cultura e valorizar o povo libanês.
Maktub. Já estava escrito. O legado edificante eterniza a memória dessa ilustre figura libanesa, com toda a singularidade e valor irrefutável de uma vida dedicada a defender, com paixão e orgulho, a soberania da comunidade
de origem, e a dar voz ao compromisso de amor do filho com a pátria amada.
“A figura de Charles lorde – o Charles gentleman – era simplesmente encantadora”, relembra o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas – ACMinas, José Anchieta da Silva. “Vestia-se britanicamente, era portador de um sorriso permanente e de um olhar doce, embora determinado”, descreve.
“Seu ouvido sabia escutar como poucos, era incapaz de interromper um interlocutor”, expõe José Anchieta da Silva, caracterizando o consagrado cedro do Líbano. “Suave no trato, aquele sorriso, aquele olhar, aquela paciência, aquele caminhar conquanto lento, trazia a firmeza do líder que sabia tudo sobre os caminhos e suas pedras”, conclui, com detalhes, o presidente da ACMinas.
Esse é apenas o início de um passeio panorâmico pela célebre vida de Charles Lotfi, recontada através de depoimentos de amigos e figuras públicas, cuidadosamente registrados na histórica homenagem a esse brasileiro
de coração libanês e alma mineira. Esta edição da revista te convida a viajar como passageiro de primeira classe, revisitando os destinos percorridos, com brilhantismo, por esse inesquecível personagem.
AMOR À PRIMEIRA VISTA
A capital das gerais foi, definitivamente, muito mais que uma cidade acolhedora para o jovem e promissor articulador da classe empresarial. Eleger Belo Horizonte como lar e como palco para consolidar uma história de 91 anos de vida dedicada à educação, cultura e ao interesse público e coletivo não foi uma casualidade.
LEMBRANÇAS
“Foi amor à primeira vista”, admitiu a personalidade singular. “Me apaixonei pela paisagem de Belo Horizonte, pelas montanhas, pelo ar”, garantiu. “Isso é o Líbano”, confessou Lotfi. Nesse cenário, a identificação com os valores do povo mineiro foi instantânea. “O montanhês tem o mesmo jeito de sentir, trabalhar e pensar; é muito apegado à família, devoto e disciplinado”, declarou, ressaltando a semelhança dos fortes traços de mineiridade com o comportamento nato de quem habita a joia do Oriente cercada por montanhas.
Filho de pais libaneses, Charles Lotfi nasceu no Brasil, em 1929, em Corumbá, Mato Grosso do Sul. Aos dez anos, viajou com a família para conhecer a fascinante terra de abundantes florestas de cedros. Uma mudança contingencial, imposta pela Segunda Guerra Mundial transformou o que seria uma curta temporada em uma
permanência de sete anos no Líbano.
Foi assim que o idealista, matriculado na escola Al-Sharquia, consagrou-se poliglota dominando os idiomas árabe, inglês e francês, além do português. O ensino rígido era marcado pela disciplina, com doze horas de estudos diários e folga apenas aos domingos. “Ele era muito ligado à família e à religião, além da contagiante paixão pelo Líbano”, sublinha o médico e presidente da Federação Nacional das Entidades Líbano-Brasileiras/PE, José Luiz Janot.
“Depois da presença de Charles, o Líbano nunca mais foi o mesmo, e os libaneses do Brasil também nunca mais foram os mesmos”, analisa o publicitário Roberto Duailibi. “Criou-se um sentimento de libanidade, que contaminou inclusive as outras nacionalidades que vivem no Brasil”, assegura.
Lotfi regressou ao Brasil em 1946, aos 17 anos. Mais da metade da sua vivência foi em Belo Horizonte, onde morreu, em dezembro de 2020, por causas naturais. “Papai sempre foi uma pessoa carinhosa e participativa e, apesar de ter tido uma vida social muito ativa, nunca deixou de marcar sua presença na família, com seus princípios e valores”,
evidencia a fisioterapeuta Sílvia Rosa, irmã de Miguel Tadeu e Olga Maria, frutos da união com Clodette Lotfi.
RETRATO DE UM LÍDER COM PODER ARTICULADOR
Lotfi desempenhou um proeminente papel de influência e articulação no empresariado. Exerceu múltiplas lideranças na Associação Comercial e Empresarial de Minas – ACMinas e, em 1994, recebeu o título de Diretor Emérito, status vitalício na diretoria da casa. “Charles atravessou fronteiras e escalou todas as esferas da administração da Associação Comercial de Minas Gerais”, afirma o empresário Armando Carmo Couri.
O ponto de partida da caminhada de êxito na associação que representa a comunidade empresarial das minas dos planaltos e chapadas data do ano de 1975. “Sua atuação à frente da presidência deve ser destacada como iniludível demonstração de integração de povos e de honrosa atuação política e empreendedora”, ressalta o advogado, empresário e ex-presidente do Clube Libanês de Belo Horizonte, Júlio César Fraiha.
A Conspiração Mineira pela Educação é um dos pontos fortes da gestão de Lotfi. O projeto foi inspirado no modelo educacional de ensino em tempo integral, experiência marcante da vida estudantil no Líbano. O líder nato apostava na responsabilidade social e na educação para impulsionar o desenvolvimento econômico. Nesse contexto, a criação da Fundação ACMinas, como um braço social da entidade, também merece ser realçada.
Atualmente, o Prêmio Charles Lotfi ganha ênfase na esfera educacional ao reconhecer e destacar as escolas públicas engajadas nas práticas inovadoras para solução de desafios. “Perdemos o convívio com um ser humano diferenciado, fiel, inteligente e participativo”, lamenta o ex-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas, Aguinaldo Diniz, citando a nota oficial publicada em virtude da morte de Charles Lotfi.
“Na convivência diária, ele nos deixou um legado: ser gentil sempre e não fazer diferença entre as pessoas”, afirma a secretária da ACMinas Viviane Andreia Ribeiro. “Nunca faltava ao trabalho e era o primeiro a chegar”, recorda. “Quando queria desabafar, falava em árabe; assim ninguém sabia o que ele estava dizendo e, depois, morria de rir”, conta.
O êxito do trabalho foi coroado com reconhecimento público através de prêmios como o título de Cidadão Honorário de Minas Gerais, condecoração com as medalhas da Ordem Nacional do Cedro, do governo libanês; da Ordem do Rio Branco, do governo brasileiro; e da Inconfidência, pelo governo de Minas Gerais.
LIBANESES E BRASILEIROS UNIDOS PELA PAZ
Solidificando a união e a cooperação como pilares do amor genuíno por dois países que coabitavam o coração e a alma do sábio empreendedor, nascia, em 1981, a Confederação Nacional das Entidades Líbano-Brasileiras – Confelibra. Uma relevante conquista que representava, para Lotfi, “um compromisso com a paz, com a soberania
dos povos e com a dignidade”.
“Ele concretizou o sonho de unir libaneses brasileiros em uma entidade que congregasse todos os grupos, sociedades e federações”, expressa o ex-presidente da Confelibra, Habib Tamer Badião. “A Confederação é reconhecida como legítima e maior representante da presença libanesa no Brasil, congregando 27 Federações das Entidades Líbano-Brasileiras”, anuncia o atual presidente, Antônio Chehin.
EM FAMÍLIA
Enaltecendo a competência do idealista para “criar projetos, coordenar atividades, unir pessoas, traçar estratégias de ação e acompanhar de perto cada passo da execução do plano”, o publicitário Roberto Duailibi aponta essas habilidades como propulsoras para o êxito da Confelibra.
“Foi um trabalho enorme, para o qual se dedicou profundamente”, conta. Criou uma valiosa agenda com as lideranças libanesas, em todos os recantos do Brasil, e em todas as áreas de atividades – comércio, indústria, política, medicina, direito, serviço público, comunicações”, sublinha o publicitário.
“Totalmente integrado em sua pátria mãe, o Brasil, ao qual era extremamente devotado; sua grande paixão era a abençoada terra de nossos ancestrais”, revela o ex-presidente do Clube Libanês de Belo Horizonte e da Fundação Libanesa de Minas Gerais, José Maria Aburachid. “Assim era o Charles: gostava de destacar as grandes figuras de origem libanesas que ajudaram a engrandecer o nosso Brasil”, enfatiza.